A época romântica do vidro

Luiz Carlos Galvão, ex-vice-presidente da Cebrace, relembra “anos dourados” do vidro.

“Na época, o que se produzia vendia-se, até caco de vidro se vendia. É por isso que no Brasil o mercado de vidro fantasia (impresso) é acima do normal.”

Os anos que vão de 1970 a 1980 são chamados por muitos empresários do setor vidreiro como “A Era Romântica do Vidro”. Época em que surgiram muitas empresas e na qual o ramo formou suas bases para um grande crescimento. Trata-se de um período que ainda está na memória dos ex-atacadistas e hoje transformadores de vidros, e que é contado com saudosismo para a geração que está assumindo a empresa neste momento.

Entrevistamos nesta reportagem o ex-presidente da Pilkington e ex-vice-presidente da Cebrace, Luiz Carlos Galvão, que de sua chácara em Paraibuna, interior paulista, nos fala um pouco mais sobre o assunto. Acompanhe!

Revista T&VComo foi seu ingresso no setor?

Luiz Carlos Galvão – Eu me formei no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) em 1972 e entrei na Santa Lúcia Cristais Blindex em 1973, como engenheiro de controle de qualidade. Fui mudando de cargo até me tornar gerente de produção de vidro temperado. Em 1979 a Pilkington comprou a Blindex e a Providro e nesta mudança eu fui transferido para a Providro como diretor comercial. Esse foi o meu primeiro contato com a distribuição do vidro plano no Brasil.

Como era esse segmento na época?

O Brasil era um país fechado, a alíquota de importação de vidros era de 55%, então era quase impossível importá-lo. O Brasil importava com preço melhor da Argentina e Uruguai, que tinham fábricas, porém produziam vidros de péssima qualidade. E a produção do vidro no Brasil também não era melhor. Faltava muito vidro, não era suficiente.

Foi nesta época que a Providro se juntou com a Santa Marina e com a Saint-Gobain para construir a Cebrace. No papel ela foi fundada há 40 anos, mas demorou muito tempo ainda para se fazer a primeira fábrica, porque era incerteza total, exigia-se muito investimento. Então as duas se uniram para fazer a Cebrace aqui no Brasil. Quando chegou a época de fazer a Cebrace veio a crise dos anos 80. O consumo caiu muito na época e não existia dinheiro, o Brasil estava quebrado. Não tinha dinheiro nem para comprar petróleo. Quem fez o financiamento foi um banco internacional e ela acabou construindo o primeiro float em Jacareí. Não participei desta fase, o primeiro float foi construído pelo pessoal técnico da Saint-Gobain.

Não demorou muito e o mercado se recuperou. Aí então não sobrava vidro em estoque. Na época o que se produzia vendia, até caco de vidro se vendia. É por isso que no Brasil o mercado de vidro fantasia (impresso) é acima do normal. Como não se encontrava vidro incolor, o pessoal se acostumou a utilizar o fantasia. Lembro que os grandes atacadistas compravam um caminhão de vidro por um tanto, só trocavam a nota e vendiam por mais que o dobro. Nesta época uma carga de vidro varia ouro.

Comenta-se que era um mercado fechado…

Pela escassez de vidro acabamos criando uma rede fechada. Não tínhamos como abrir. Se abríssemos à clientela não teríamos o que entregar.

Na época alguns ficaram até magoados. Mas cada cliente que abríamos era uma carga a menos para os clientes que já tínhamos. Enquanto isso os grandes clientes importavam vidro do Uruguai e da Argentina. Praticamente trazíamos toda a produção do Uruguai. Porque aqui estava tudo vendido. E se ganhava muito dinheiro, tanto os atacadistas quanto os vidraceiros. Era um artigo de luxo. E o consumo de vidros atrasou muito por causa do preço.

Você participou da construção da unidade de Caçapava?

Em 1989 inauguramos a linha C2 em Caçapava, pela equipe técnica da Pilkington. Deste projeto eu participei. Fui diretor de projetos, além de minhas atribuições normais na Pilkington. Gostei muito de participar. E aconteceu uma coisa interessante, quando inaugurou o float de Caçapava, novamente o mercado caiu em outra crise. Daí a Providro fechou totalmente. A Saint-Gobain era a única que produzia vidro colorido no Brasil, então se conservou esse forno produzindo o bronze.

Em períodos bons da economia, então, se ganhava muito…

Todos nós sabíamos que todo mundo ganhava dinheiro. Na verdade esse pessoal começou a não ganhar dinheiro na época em que houve maior oferta de vidro e sobras. E muitos não souberam sobreviver sem inflação.
Tinha dois fatores na época da inflação. O primeiro fator era que eles compravam a prazo e vendiam à vista, quando os juros eram de 1% ao dia era um ótimo negócio.

Tinha que controlar muito, tinha alguns casos de funcionários que recebiam dinheiro de clientes e tínhamos de controlar isso para evitarmos injustiças com nossos parceiros. Era um produto valioso e tinha que definir quanto cada cliente iria levar por mês. Quando se produzia a mais era tranquilo, quando produzíamos menos era caos total. A fabricação era muito mais complexa, dava pane em fornos, às vezes tinha que parar produção. Era complicado. Antes se interagia mais dentro da fábrica do que fora dela.

Tinha que produzir vidro. Se aumentasse em 1% a produção, era um bom resultado para a fábrica.

Tinha outro problema que era o pior, que foi a fase do controle de preços. O preço era controlado e quando o vidro faltava era festa do atacadista. O estoque dele passava a valer ouro. O vidro era reajustado uma vez a cada 40 dias. Era quando se permitia o aumento. Você imagina uma inflação de 50% a 60% e o vidro ser reajustado somente a cada 40 dias. Era um problema interessante.

Eu sempre alertava e falava em palestras que este sistema de atacadista não iria durar. Falava que eles deveriam investir em transformação. Hoje praticamente não existe atacadista. Mas era difícil se investir em equipamentos importados, porque na época era 100% de alíquota de importação. Era um país fechado com distorções de mercado. Espero que nunca aconteça de novo.

Acho que fui inovador. Me sinto feliz com o que eu fiz. Tanto que me aposentei no vidro e não fiz questão de trabalhar.

Como era o nível de relacionamento entre os players do mercado?

Você tinha uma clientela restrita que não chegava a uma centena. Tinha tempo, festas do vidro, a gente encontrava todos em uma convenção só. Era uma comunidade pequena. E o mercado também era. Lembro que o mercado do vidro em 1980 era de 240 mil toneladas. Hoje é acima de 2 milhões de toneladas. Não vou dizer que era uma família, porque eles brigavam muito entre si. Mas era legal, era um ambiente bacana, com festas de fim de ano aonde distribuíamos brindes e presentes. Sou lembrado com carinho ainda por causa deste período, não só pelos clientes mas também pelos funcionários, porque interagia bastante com eles.

Com produção nacional e aumento de transformadores, o mercado se desenvolveu pela maior disponibilidade. E o vidro temperado é coisa que agrada arquitetos e todo mundo. Acho que o vidro não teria problema de ter sucesso, isso eu acreditava. O problema era ter vidro à vontade. Acho que hoje uma fachada de vidro é até mais barata que qualquer coisa de concreto. A gente constrói também com alguns amigos e gostamos muito de usar este material.

Valeu a pena ter participado tão ativamente deste mercado?

Acho que na minha participação neste setor fiz algumas coisas interessantes. Dediquei minha vida inteira ao vidro. Fiz coisas consideradas modernas na época para o mercado. Acho que fui inovador. Me sinto feliz com o que eu fiz. Tanto que me aposentei no vidro e não fiz questão de trabalhar. Após uma cirurgia cardíaca achei que, aos 60, era a época adequada, já era o suficiente.

Estou agora com alguns empreendimentos pessoais que crescem até mais do que eu gostaria. Tenho alguns trabalhos voluntários que faço, principalmente na associação dos ex-alunos do ITA, e gosto de pescar também. E qualidade de vida é importante!

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